Frei Betto avalia a situação do Brasil e o papel da religiões, em live da Secretaria de Formação; Confira o artigo

“Há aqueles que não sabem, mas dizem que sabem. Estes a gente deve evitar. Há aqueles que sabem, mas não sabem que sabem. Estes a gente deve abraçar, respeitar e valorizar. Por fim, há aqueles que sabem e sabem que sabem e estes a gente deve seguir”. Ditado africano.

Por Padre João de Deus de Souza*

Em um momento gravíssimo do nosso Brasil em que, devido à pandemia provocada  pela COVID 19, ao atingirmos a triste marca de quase 400 mil brasileiros mortos, infelizmente, pelas inconsequências do governo federal genocida e sem nenhum projeto para o povo Brasileiro, devemos refletir, também, sobre a função da religião, importantíssima para a transformação da sociedade, já que faz parte do Ethos do nosso povo. O PT DF vem, então, nos enriquecer com a presença iluminada do renomado Frei Betto, na Live do Canal Antônio José Pereira, da Secretaria de Formação Política, ocorrida na último dia 16, para aprofundar esta temática e nos provocar e convocar para corrigirmos nossas falhas e retomarmos o trabalho de base, indo aonde o povo está.

Frade dominicano e escritor, Frei Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil e no exterior. Nasceu em Belo Horizonte (MG), onde estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia, sendo um dos nomes mais renomados do Brasil na literatura e no pensamento da esquerda. Conheça mais sobre sua biografia.

Frei Betto iniciou sua fala destacando  que há alegria em nosso povo, apesar de toda a tristeza que a nação está vivenciando. Alegria, porque o Judiciário anulou todas as condenações do companheiro Lula. Isto é o obvio ululante, pois, todos nós da esquerda sabíamos que Lula era e é inocente.  Alegria, porque vivemos o momento Pascal para o Cristianismo: celebramos a Ressurreição de Cristo, que venceu todos os males, principalmente, a morte que é o pior dos inimigos e, assim como ele venceu, nós também vencemos e venceremos todas a maldades de nosso cotidiano. Alegria, também, porque poderemos eleger pela terceira vez LULA como Presidente do Brasil.

Não bastasse o genocídio provocado por Bolsonero, uma alusão ao Imperador de Roma chamado Nero, que ateou fogo na cidade e ficou no terraço de seu palácio dando gargalhadas ao ver o povo de seu império morrer em chamas. No Brasil, segundo dados da fundação Getúlio Vargas, são 19 milhões de brasileiros passando fome, conforme pesquisa divulgada no final de 2020. Além disso, a pesquisa mostrou que, entre 213 milhões de brasileiros, 117 milhões não sabiam o que comer no dia seguinte. São dados da rede brasileira de pesquisa em soberania e segurança alimentar. Basta vermos o aumento do número de pessoas em situação de rua.  

Um famoso poema de Manuel Bandeira, em 1947, intitulado O BICHO explicita esta temática triste e angustiante.

VI ONTEM UM BICHO

NA IMUNDICIE DO PATIO

CATANDO COMIDA ENTRE OS DETRITOS.

QUANDO ACHAVA ALGUMA COISA,

NÃO EXAMINAVA NEM CHEIRAVA:

ENGOLIA COM VORACIDADE.

O BICHO NÃO ERA UM CÃO,

NÃO ERA UM GATO,

NÃO ERA UM RATO.

O BICHO, MEU DEUS, ERA UM HOMEM.”

Frei Beto destaca que, infelizmente, no Brasil, esse poema, que é um verdadeiro salmo, brada aos céus e é extremamente atual.

Segundo o escritor, autor de 69 livros, A COVID 19 impôs esta situação paradoxal ao povo brasileiro: ou comer ou morrer infectado. Se houvesse governo neste País, como aconteceu em outros países pelo mundo afora,  o povo pobre ficaria em casa resguardando a saúde. O novo auxilio emergencial são os míseros 250,00 por quatro meses visando beneficiar 45 milhões de pessoas a um custo  de  44 bilhões de reais. Isso é um retrocesso considerando que a miséria e a pobreza no Brasil aumentaram assustadoramente em 2021 comparada a 2020.

No ano passado, este auxílio foi de 600,00 por 5 meses 300,00 por mais 3 meses. O Guedes, ministro do Planejamento, queria dar apenas 200,00. Custou quase 300 bilhões de reais no ano passado e beneficiou 68 milhões de pessoas.

 De acordo com Frei Beto, a indiferença deste governo com a saúde de nosso povo tem provocado aglomerações nas agências da CEF ao passo que deveria ser pago em qualquer agência bancária evitando, assim, a disseminação do vírus.

Frei Beto ressaltou que o auxílio emergencial chegou ao absurdo de 7.300.000 (sete milhões e trezentas mil) pessoas imerecidamente contempladas como servidores civis e militares, que embolsaram e não devolveram 54 bilhões de reais.

Segundo Frei Beto, este novo auxílio emergencial equivale a atravessar uma chuva sem se molhar segurando apenas uma folha de jornal. Vai durar 4 meses e pagar R$ 150 para quem vive sozinho, R$ 250 a quem vive em família e R$ 375 às mães sem marido.  Estes são valores absolutamente insuficientes para adquirir uma cesta básica de R$ 626 em março de 2021. A Inflação continua disparada: 44% da população deixou de comer carne. 41% deixou de comer frutas e 37%, legumes e hortaliças.  Dos beneficiários do bolsa família, 35% continuam a passar fome segundo os dados apontados pela escala brasileira da insegurança alimentar. Com o fim do auxílio emergencial e o agravamento da pandemia, o número dos pobres no Brasil em fevereiro deste ano já somou 27.200.000 pobres.

Frei Betto citou que a  fome no Brasil se faz presente em 25% das casas chefiadas por mulheres que é um índice duas vezes maior do que as casas chefiadas por homens. Vale ressaltar que 44 bilhões de reais estão sendo destinados a 45 milhões de pessoas que sobrevivem na extrema pobreza. No orçamento deste ano, o governo federal, pretende destinar a 513 deputados e 81  senadores 48, 8 bilhões de reais em emendas parlamentares. Disto resulta as chamadas maracutaias tão presentes em nosso Brasil desde o seu “descobrimento”.

Frei Beto afirmou: Um governo que cruza os braços na pandemia, não amplia as políticas sociais, não assegura uma renda básica a toda a população abaixo da linha da pobreza, reduz os gastos na saúde e na educação e ainda libera o comércio de armas é declaradamente um governo genocida. A este governo tão incoerente e incompetente jamais devemos seguir. Diante desta realidade complexa, não devemos retroceder e naturalizar jamais.

A seguir, o Frei Beto analisa o papel da religião na sociedade atual. Este  ressaltou que escreveu um livro alusivo ao tema cujo título é ‘O DIABO NA CORTE’. Se você se interessar, eis aqui o link: freibetto.org

Eu destaco que a  religião tem a função de religar o homem com Deus, com o outro e com a natureza. Se a religião foge deste principio, torna-se ópio, segundo o velho Marx.

De acordo com Frei Beto, as ideologias no mundo entraram em crise desde a queda do muro de Berlim. Nós vivemos em um mundo globo-colonizado: é uma Globo-colonização, pois, trata-se de uma imposição. É um único modelo: capitalista consumista. Este modelo não tem nenhum interesse que a pessoa busque um outro mundo possível. Este modelo, vale dizer, busca impregnar nas pessoas um nojo da política e a privatizar não só o patrimônio publico, mas o Estado. Daí estarmos nesta onda de não votar em políticos, mas em empresários, como aconteceu na Argentina com a eleição do Macri. Querem que a gente acredite em Avatares, como aconteceu com a eleição de Bolsonero, que incutiu no povo brasileiro que míticos e política são coisas iguais. Quem tem nojo da política é governado por quem não o tem. Tudo o que os nossos políticos querem é que o povo brasileiro tenha nojo da política para que eles, evidentemente, façam o avesso do avesso da política, que é a arte do bem comum e, assim, configura-se como o toma lá dá cá, ou seja, o desvirtuamento das verbas públicas em prol dos interesses pessoais, enquanto que estes políticos  deveriam ser os servidores do nosso povo. Devemos reforçar o trabalho da formação e participação política da população.

Frei Beto ressaltou, ainda, que os milicianos são uma força poderosa desta sociedade excludente, preconceituosa e violenta e fazem parte da ideologia de direita que busca arregimentar multidões com os seus princípios facilmente questionados pelas pessoas de bom senso. Pois bem, a família Bolsonero condecorou os milicianos no Rio de Janeiro, o que revela uma inconsequência com os princípios democráticos da nossa constituição.

Segundo Frei Beto, o uso da religião para fins próprios é outro recurso que o poder utiliza, porque sabe que o povo brasileiro, como o povo latino americano é um povo ontologicamente religioso. Se você perguntar a uma empregada doméstica, a um operário, a um indígena, a um metalúrgico, a um peão, a uma prostituta, a um lavrador, etc. sobre as questões essenciais da vida: por que viemos a este mundo? Qual a razão do sofrimento? O por quê da doença? O por quê da morte? Seguramente, ele dará uma resposta de matiz religiosa. Então, o poder e as Igrejas que prestam a este fim, estão manipulando a religião como estratégia que iniciou nos anos 1970 nos EUA e passou a difundir as igrejas eletrônicas com o objetivo de levar os seguidores a abrirem mão de sua liberdade em nome de sua segurança. É isso que o governo Bolsonero quer: em nome da segurança quer que o povo abra mão de sua liberdade. Com isso, o governo quer confessionalizar a política. Não podemos partidarizar as igrejas. A Igreja não pode ser uma instituição partidarizada. O poder está usando a religião como arma do ódio. A religião vem do latim re-ligare que significa: religar o homem com o outro, com a mãe natureza e com Deus, portanto, a religião é o espaço do amor, da misericórdia, do perdão, da solidariedade. Devemos combater esta ideologia nefasta e este processo deletério.

O Frei Beto afirma: “Bolsonaro tem fixação em armas, o que revela um desequilíbrio psicológico, pois, detesta a vida alheia. Ele faz pronunciamentos recheados de ódio”.

Segundo Frei Beto, o Brasil é o país com o maior número de mortes pela COVID 19. Morrem os pobres. Quanto mais pobres morrerem, mais economia nas políticas sociais. Quanto mais idosos morrerem mais economia para a previdência. Quanto mais pessoas com doenças pré-existentes ou comordidades morrerem, mais economia para o SUS. Esta é a política necrófila: a necropolítica que gera a morte.

Frei Beto ressalta, ainda, que é preciso abrir a consciência do povo com ações organizadas: “Faz-se necessário retomarmos o trabalho de base. A esquerda deve ir ao povo através do que está no Ethos cultural de nossa gente, o teatro, o cinema, a música, a literatura e as redes digitais’. E acrescenta: “Não canso de repetir. A esquerda errou porque abandonou o trabalho de base e esses espaços preciosos foram ocupados pelas igrejas cristãs fundamentalistas e pelo narcotráfico. Fora do povo não há salvação. Devemos ir aonde o povo está e com atitudes de compaixão, cuidado, solidariedade pois, o povo sabe, mas não sabe que sabe”.

Ele destaca também que, este ano, celebramos o centenário de nascimento do educador mais importante do Brasil, que é Paulo Freire. Devemos torná-lo mais conhecido. Se não existisse Paulo Freire, não existiriam os sindicatos, o Lula, não existiria o PT, não existiria o MST e todas as organizações populares. O que o Paulo Freire ensina: só um oprimido pode libertar outro oprimido. O Marx no século XIX já dizia que a cabeça da sociedade reflete a classe que domina essa sociedade. E Apontou, mais uma vez, o grande erro da esquerda: não ir ao encontro dos pobres e oprimidos. “Ai do partido que não fizer trabalho de base. Ai do partido que não fizer formação política. Devemos voltar a Paulo Freire para retomarmos o trabalho nas bases pois, a cabeça do oprimido tende a ser hotel do opressor. A cabeça pensa onde os pés pisam”.

Viva Paulo Freire. Há aqueles que sabem e sabem que sabem: a estes a gente deve seguir.

A Live prestou, ainda, uma justa homenagem ao companheiro Antônio José Pereira, que ajudou a fundar o canal da Secretaria no Youtube e morreu, há poucos meses, vitimado pelo novo Coronavírus. A mediação foi dos companheiros Valcir Araújo, presidente do PT Águas Claras e Leda G. Freitas, Secretária de Formação Política do PT DF.

Padre João de Deus de Souza, é filósofo e psicólogo, filiado ao Partido dos Trabalhadores de Salvador (BA).

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