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O racismo white face de cada dia

Há alguns dias, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) publicou em suas redes sociais uma espantosa peça de racismo ao tentar fazer uma sátira com o processo seletivo do Magazine Luiza, restrito a negros com o intuito de equilibrar sua participação nos quadros da empresa. A parlamentar bolsonarista achou que seria engraçado colocar as fotos dos ex-ministros Sérgio Moro e Luiz Henrique Mandetta pintados de preto, sugerindo que ambos se inscrevam para o referido processo seletivo. 

Não bastasse o teor racista da publicação, a deputada desqualifica a profissão dos comerciários para atacar seus desafetos, Moro e Mandetta. A postagem insinua que a última opção de emprego para quem não tem mais serventia é trabalhar no comércio. Uma falta de respeito a homens e mulheres cuja atividade profissional é imprescindível para a economia, eis que representa o último elo da cadeia produtiva, e que se arriscam diariamente para atender ao público consumidor em plena pandemia.

Bia Kicis regrediu no tempo e fez o seu racismo de cada dia chegar ao século XIX, quando atores brancos, nos Estados Unidos e na Europa, usavam tinta para pintar os rostos de preto e associavam as piadas a estereótipos negativos, com gestual, figurino e sotaque exagerados, em espetáculos pretensamente humorísticos nos quais pessoas negras eram ridicularizadas para o entretenimento de brancos. O infame espetáculo tinha um nome: black face.

Fazer piada com a verdadeira tragédia que é a desigualdade racial no nosso país é repugnante. Racismo não é engraçado. Ao contrário! É trágico, cruel, abjeto e infelizmente está presente em muitos segmentos da sociedade, inclusive no parlamento, onde supremacistas brancos se escondem atrás dos seus mandatos políticos para disseminar o ódio e promover a segregação racial. 

Incomodados com a iniciativa – acertada e inclusiva – do Magazine Luiza, os racistas dizem ter ocorrido o que classificam de “racismo reverso”, conceito segundo o qual os brancos e os negros possuem as mesmas condições de progressão na escala social. Ora, se isso fosse verdade, então significaria dizer que a baixa presença de negros e negras no parlamento, nos altos postos do poder judiciário, em altas patentes militares e outros espaços de poder ocorre por falta de capacidade deles, desconsiderando-se todo o contexto histórico de quase quatro séculos de escravidão? O “racismo reverso”, algo tão real quanto a superfície plana da terra, é um profundo desrespeito à população negra, só imaginável em uma sociedade onde o racismo é estrutural, estruturante e muito bem estruturado.

A deputada Bia Kicis pode negar sua intenção discriminatória e até alegar ignorância histórica (o que é verdade, tendo em vista a confusão que faz entre Mandetta, Moro, Paulo Freire e Magazine Luiza). Entretanto, o que ela fez se chama racismo, um entulho da herança escravocrata. Por isso, na condição de deputada federal e militante pela defesa dos direitos humanos, irei adotar medidas judiciais cabíveis contra a parlamentar, a quem acuso da prática de racismo.

Por fim, cumpre ao Congresso Nacional, como expressão política da sociedade, apoiar toda e qualquer iniciativa que tenha por finalidade contribuir para mitigar os 388 anos de escravidão no nosso país. Nesse sentido, a iniciativa do Magazine Luiza, de buscar o equilíbrio da presença de indivíduos brancos e não brancos em seus quadros, é louvável como política inclusiva e de promoção da igualdade e deve contar com o apoio dessa casa.

Racistas e fascistas, mesmo escudados atrás do mandato parlamentar, não passarão.

Matéria publicada originalmente no Brasil 247 em 01 de outubro de 2020

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