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Neoconservadorismo, escolas cívicomilitares e o simulacro da gestão democrática

Por ANDRÉ ANTUNES MARTINS*

Sobre os dias atuais: neoconservadorismo, escolas cívicomilitares e o simulacro da gestão democrática. Com este título, André Antunes Martins analisa, inicialmente, a aliança entre o neoconservadorismo e o neoliberalismo no campo educacional, assim como, os desdobramentos desse processo no avanço das parcerias das redes públicas educacionais com as instâncias militares. Fizemos uma revisão dos documentos que normatizam essas alianças, sobretudo, do Estado de Goiás e do Distrito Federal. Consideramos que ideia de gestão democrática é apresentada nos documentos, mas sem intenção de efetividade, visto os diferentes dispositivos de (re) disciplinarização e produtividade que abrandam a vida comum.

Este artigo, o sétimo da série, é uma sequência dos trabalhos e estudos sobre o processo de militarização na educação pública brasileira e todos os transtornos que eles causam.

Esta série de trabalhos é produzido pela Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, periódico científico editado pela Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), e tem o objetivo de difundir estudos e experiências educacionais, promovendo o debate e a reflexão em torno de questões teóricas e práticas no campo da educação.

O sindicato recomenda a leitura deste material para todos(as) os(as) professores(as) que tiverem interesse em aproveitar os trabalhos para pesquisas.

Confira abaixo o trabalho na íntegra:

INTRODUÇÃO
O movimento neoconservador ganhou consistência, amplitude e
visibilidade no campo educacional pelas ações conhecidas como ‘escola sem
partido’ que, de certa forma, se disseminou no país por iniciativas legislativas,
em diversos entes federados, para efetivar limites a uma suposta doutrinação
dos docentes. Por sua vez, as escolas cívico-militares, também expressão
contemporânea desse movimento neoconservador, vêm-se expandindo em
diversas regiões do país. Essa proposta foi pauta de programa de governo na
campanha eleitoral presidencial em 2018 e, neste momento, por iniciativa do
executivo nacional, como também de estados e municípios, há algum tempo,
alguns desdobramentos de institucionalização começam a se efetivar.
Nossa intenção neste texto é, inicialmente, estudar as peculiaridades, no
campo educacional, da articulação do movimento neoconservador com a vertente
neoliberal. Esta, com seus desdobramentos em curso desde os anos 1990, vem
criando condições para a institucionalização do campo conservador na educação.
Num segundo momento, imbricado ao anterior, visa-se a analisar as iniciativas
institucionais do governo federal e, sobretudo, do estado de Goiás e do Distrito
Federal, que já concretizaram parcerias com instâncias militares, avaliando os
documentos que definem a gestão democrática no âmbito específico dessas
colaborações.

ARTICULAÇÕES NEOCONSERVADORAS E NEOLIBERAIS
Acreditamos que, contemporaneamente, a perspectiva neoconservadora
agudiza uma ruptura com as experiências instituintes em defesa da escola pública
no período de redemocratização. Destacamos que esse movimento de ruptura
não é novo, mas ganha novos contornos na atualidade.
As vivências democratizantes marcaram o período de transição na
Nova República e, de maneira mais ou menos intensa, reconfiguraram o campo
educacional pelo desejo de participação na gestão administrativa, financeira e
didático-pedagógica. Devedoras desse período, de certa forma, a Constituição
de 1988 e a Lei 9.394 de 1996, a LDB, delineiam a importância de instâncias
democráticas no campo educacional. OLIVEIRA (2010) argumenta que a
legislação educacional nesse período foi tensionada para contemplar o trabalho
coletivo, como: a incumbência dos estabelecimentos de ensino na elaboração da
proposta pedagógica e a efetiva participação das famílias e da comunidade no
processo deliberativo colegiado.A própria noção de qualidade escolar passa por
esse envolvimento participativo comunitário, ou seja, a referência social torna-se

princípio organizador das redes e das escolas públicas (PARO, 2000) Portanto,
não seria razoável pensar a gestão pública por orientações discrepantes da noção
do comum.
O comum, como perspectiva democrática, visa a abolir as estruturas
e instituições dominantes; é o campo das singularidades/multiplicidades, da
liberdade revolucionária e em nada se assemelha a lógica da propriedade. Essa
experiência comunitária é dispositivo para criação de novas subjetividades,
de processos de inovação social e institucional (NEGRI; HARDT, 2016). Os
autores argumentam que a abolição das instituições que corrompem o comum e
incrementam a subordinação dos minoritários deve dar-se como tarefa democrática
de construção revolucionária de outras formas institucionais. Os processos
recentes em defesa da elaboração e vivência da gestão pública educacional são
devedores dessa compreensão ao ter como objetivo uma orientação ampla e
efetiva de participação democrática.
A despeito dessa intensa mobilização por processos de constituição
do comum no campo educacional, de forma concomitante, no contexto da
redemocratização, a matriz neoliberal começa a ser introduzida nas políticas
educacionais, configurando, desde os anos 1990, um embate entre concepções e
práticas. Ou seja, de um lado, a orientação neoliberal pautada em privatizações,
desregulamentações e em políticas de resultados, próprias da lógica de mercado
(CAMINI, 2013). De outro, em pleno conflito, a perspectiva de gestão democrática
com suas características de valorização das referências sociais, dos conselhos
deliberativos e plurais, das elaborações de projetos pedagógicos na/pela efetiva
participação comunitária etc.
Esse embate manifesto na virada dos anos 1980 e durante os anos 1990
vai-se caracterizando, cada vez mais, por uma tendência à institucionalização das
políticas neoliberais e uma crescente ressemantização produtivista dos significados
constituintes da gestão democrática, as quais são ancoradas, sobretudo, em
políticas de avaliações externas e currículos nacionais.
A crise do capital financeiro, em 2008, poderia levar-nos a um
deslocamento dessa predominância neoliberal, vistos, inclusive, os efeitos
evidentes de uma política econômica desastrosa promotora de desigualdades e
injustiças (SAFATLE, 2017). A despeito desse fato, a segunda onda neoliberal
acontece, mas, nesse momento, apoiada no discurso do medo, da promoção
contínua de uma guerra civil e do racismo. A gestão da segurança pública
encaminha a militarização da vida e a definição de territórios onde a ordem
deve ser estabelecida, inclusive, com mecanismos de exceção (TELES, 2018). É
justamente nesse cenário, de estado de sítio permanente, no qual a vida cotidiana
é militarizada e o exercício do direito de matar deixa de ser uma exclusividade do

Estado (MBEMBE, 2018), que o movimento conservador encontra terreno fértil
para aliar-se aos liberais, numa aliança que se materializa pela administração da
insatisfação, do desencanto e da falta (SAFATLE, 2017). Esse estado policial que
faz morrer, portanto, é uma resposta à necessidade de conservação das condições
necessárias à produção capitalista no momento de crise.
Compreendemos que essa aliança contemporânea entre liberais e
conservadores, quando analisada no campo educacional, encontra dispositivos
institucionais, na Reforma de Estado de 1990, que favoreceram seu surgimento.
Um deles foi o incentivo a gestão pública gerencial que propugnava, entre outros,
uma flexibilização das instâncias educacionais e escolares por meio de parcerias
com o terceiro setor e empresas (CAMINI, 2013). Diversos mecanismos são
incrementados nesse momento; todos, de certa forma, ratificam a ideia central
de esgotamento da gestão pública e a eficiência da gestão liberal gerencial. Algo
que deu margem, portanto, ao cenário atual de terceirização da gestão das redes
públicas, por meio da colaboração entre as instâncias militares e as secretarias de
educação, compartilhando funções administrativas, financeiras e pedagógicas.
Outro argumento, para fazer valer esse arranjo colaborativo, é o da
insegurança, o medo que atravessa o cotidiano das escolas, sobretudo das
localizadas em áreas urbanas conflagradas. A colaboração com a instância militar
visaria, entre outros motivos, a trazer tranquilidade aos pais e seus filhos nas
escolas cerceadas pela violência urbana, como aos profissionais para que possam
atuar com eficiência. Enquanto na matriz neoliberal há controle pós-fordista dos
docentes, dos gestores, das escolas (e das famílias) pelo não alcance dos resultados,
na matriz neoconservadora o controle fordista disciplinar se torna necessário
para combater os desvios que provocam o caráter conturbado do cotidiano e do
concomitante distanciamento dos valores tradicionais.
O estado policial, nesse momento, alcançaria o dia a dia das escolas
instituindo condutas compatíveis com os valores da ordem. Embora
compreendamos muitas das dificuldades dos profissionais da educação ao
considerarmos a temática da violência, assim como a preocupação dos pais em
relação a seus filhos, esse apelo pela militarização pode promover o efeito de
silenciamento e consequente exclusão dos alunos, famílias e professores. Não
duvidamos que escolas precarizadas dificilmente conseguirão promover iniciativas
efetivas de enfrentamento dessa questão. Logo, não se trata de (re) disciplinar a
escola como solução, mas de garantir condições adequadas de funcionamento
dos equipamentos públicos, atendimento dos profissionais da educação em suas
peculiaridades de trabalho, aproximação da comunidade pelo fortalecimento dos
espaços públicos deliberativos etc.

Essas parcerias avançam em estados e municípios e em diferentes
regiões do país, sinalizando aprofundamentos autoritários em plena contramão
aos desejos recentes de realização de uma escola democrática. Nessa perspectiva,
cabe indagar sobre os efeitos dessa aliança do produtivismo e da ordem nas
possibilidades de realização da gestão democrática na atualidade.

ESCOLAS CÍVICO-MILITARES
Como era aguardado, a julgar pela proposta na campanha eleitoral
presidencial de 2018, a ideia de militarização da rede escolar básica começa a
ganhar feição institucional nacional pelo Decreto nº 9465, de 2 de janeiro de
2019 (BRASIL, 2019), que aprova a nova estrutura regimental do Ministério da
Educação. De maneira mais clara, há, junto à Secretaria de Educação Básica,
a criação de uma Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, tendo
como competência direta
Promover, fomentar, acompanhar e avaliar, por meio de parcerias, a adoção por
adesão do modelo de escolas cívico-militares nos sistemas de ensino municipais,
estaduais e distrital tendo como base a gestão administrativa, educacional
e didático-pedagógica adotada por colégios militares do Exército, Polícias e
Bombeiros Militares; (BRASIL, 2019, Art. 11, XVI, grifo nosso).
E ainda, complementando:
II propor e desenvolver um modelo de escola de alto nível, com base
nos padrões de ensino e modelos pedagógicos empregados nos colégios
militares do Exército, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares,
para os ensinos fundamental e médio; […] III promover, progressivamente, a
adesão ao modelo de escola de alto nível às escolas estaduais e municipais,
mediante adesão voluntária dos entes federados, atendendo, preferencialmente,
escolas em situação de vulnerabilidade social; (Idem, Art. 16, XVI, grifo nosso).
A nova pasta teria como função precípua articular a parceria, por adesão,
dos entes federados,ao modelo de gestão realizado nas escolas militares. Nota

se que a gestão à qual se refere o documento abarca o âmbito administrativo e
didático-pedagógico, e a qualificação do modelo em questão, é referida como
sendo de alto nível. Parceria por adesão soa sempre como um eufemismo quando
estados e municípios, estando de acordo ou não com a proposta, são praticamente
obrigados à adesão, em virtude dos benefícios materiais e/ou financeiros
disponibilizados, pois, em sua maioria, apresentam grandes dificuldades em
manter as redes. Portanto, nem sempre as colaborações acontecem por ampla
concordância, mas por circunstâncias estruturais.

A menção ampla ao caráter da gestão, abarcando o administrativo
e o didático pedagógico e seu correspondente alto nível não é dissimulado
no documento. De fato, como veremos nos exemplos adiante, essa separação
não deveria ser concebível, sobretudo, quando a linha de força disciplinar e
hierarquizante é majoritária. Ou seja, o campo da ordem conservadora não se
contenta com uma administração burocrática segmentada, restrita ao campo
documental, mas, certamente, almeja espraiar-se pelo comum ou pelos mais
públicos e plurais espaços deliberativo-pedagógicos para colocá-los em acordo ao
modelo da caserna.
Ao tomarmos como exemplo a escola de formação dos cadetes das
forças armadas, os valores de obediência, submissão, dependência, paternalismo,
assiduidade, pontualidade, racionalidade e meritocracia concebem um determinado
modo de vida social e político peculiar à proposta formativa militar (LUDWIG,
1998), portanto, a menção a gestão, mesmo que se pretenda preservar a autonomia
pedagógica dos entes federados, deve ser entendida de forma ampla a abarcar os
diferentes domínios da vida educacional e escolar, colocando-os sob a perspectiva
formativa militar.
Outro aspecto que corrobora essa assertiva de impossibilidade de uma
gestão segmentada e/ou restrita está na qualificação ‘alto nível’, pois denota o
entendimento de um rendimento desejável a ser alcançado. Logo, a afirmação
de uma de orientação pedagógica vinculada ao produtivismo, que esmaece
qualquer compreensão em relação a uma eventual permanência da autonomia
pedagógica curricular das escolas. Vale destacar que a aliança à qual nos
referimos anteriormente tem uma explicitação neste momento, quando o campo
conservador é necessário para garantir o alto nível da gestão e da aprendizagem,
pelas perspectivas meritocráticas.
Algumas experiências, já existentes nos estados, são potenciais balizadores
para a política nacional. O estado de Goiás, por exemplo, foi, provavelmente,
pioneiro na introdução de um modelo em que a gestão foi entregue à polícia
militar, mais especificamente, pela implantação do Colégio Militar da Polícia de
Goiás (CPMG).
Em 2001 foi criado o CPMG (Colégio da Polícia Militar de Goiás), o antigo
Colégio Estadual Hugo de Carvalho Ramos, com a Lei Estadual n°14.050,
através da Lei de iniciativa do Executivo, aprovada pela Assembleia Legislativa
em caráter de urgência, transformou escolas estaduais em instituições de ensino
geridas pela Polícia Militar do Estado de Goiás (PMGO) (GUIMARÃES, 2017,
p.10).

A autora argumenta que a partir desse momento houve a intensificação
de transferências das escolas estaduais para a gestão da Polícia Militar, e afirma
que, até 2016, quarenta e sete escolas já constavam como CMPG (Idem, Ibidem).
O primeiro aspecto a ser destacado diz respeito à forma de pactuação
existente entre as Secretarias de Segurança Pública e de Educação. Os CMPG
estão vinculados à estrutura hierárquica da primeira secretaria por meio do
Comando de Ensino Policial Militar (CEPM) e a segunda torna-se uma parceira no
processo de gestão dessas escolas específicas:
Art. 1º O Colégio da Polícia Militar do Estado de Goiás, (…) está subordinado
à Secretaria da Segurança Pública por meio da Polícia Militar do Estado de
Goiás, através do Comando de Ensino Policial Militar, Unidade Gestora
de Grande Comando onde se encontram inseridos os Colégios da Polícia
Militar do Estado de Goiás, tendo como parceira a Secretaria Estadual de
Educação – SEE, por meio do Termo de Cooperação Técnico pedagógico
(GOIÁS, 2015, art 1º, grifo nosso).
A subordinação da Secretaria de Educação, ao Comando de Ensino da
Polícia Militar, enseja uma articulação cujo protagonismo estará num setor com
uma expertise incomum aos processos de gestão educacionais de uma rede pública.
O campo da segurança pública, embora seja um tema transversal importante em
educação, não se confunde e, muito menos, substitui a organização e gestão de
escolas públicas cujos princípios estão pautados pela participação deliberativa
plural.
O Regimento Interno do CPMG, como artifício, tende a contemplar
a legislação atual que confere legalidade à gestão democrática na rede pública;
contudo, contraditoriamente, sinaliza um centro deliberativo forte e o consequente
esvaziamento das redes e das escolas como lugar de decisão.
A gestão escolar democrática e colegiada é entendida como o processo que rege
o funcionamento do CPMG, compreendendo tomada de decisão conjunta no
planejamento, execução, acompanhamento e avaliação das questões pedagógicas
e administrativas com a participação do Comando de Ensino Policial
Militar – CEPM, como unidade gestora dos CPMG e de toda a comunidade
escolar (GOIÁS, 2015, art 5º, grifo nosso).
Neste artigo, a sinalização da centralidade do Comando de Ensino
Policial Militar (CEPM) explicita-se numa espécie de organização dual, onde essa
instância, tomada como unidade gestora, de fato exerce essa função pelo princípio
do comando, algo próprio ao contexto militar. A comunidade escolar é entendida
na/pela negação do status de grupo gestor, como um grupo à parte, com
prerrogativas deliberativas limitadas. Há, nesse arranjo organizativo, a nucleação

de um centro de poder separado da comunidade. Esse entendimento fica mais
evidente pela existência de um Conselho Geral dos CPMG organizado com base
numa forte hierarquia de comando, cuja presidência e vice-presidência cabem,
respectivamente, ao comandante e subcomandante do CEPM (Idem, art. 8º).
O Conselho Escolar, por sua vez, margeia o campo figurativo da gestão,
torna-se um conselho auxiliar, tendo que se enquadrar às padronizações definidas
no Conselho Geral.
O Conselho Geral Colegiado dos CPMG é o órgão representativo das partes
envolvidas no processo de ensino dos CPMG e comunidade escolar (…)
suas decisões e deliberações possuem caráter de padronização de
procedimentos administrativos e financeiros no âmbito dos CPMG, as
quais serão adotadas imediatamente por todos os entes participantes de
sua composição (Idem, art 9º, grifo nosso).
A padronização para um imediato cumprimento das decisões fica
evidente nesse cenário organizativo. O Conselho Geral, como instância central
e hierarquicamente acima das que atuam nas escolas, limita fortemente o campo
deliberativo destas. Corrobora essa perspectiva a definição de uma fiscalização em
questões administrativas, financeiras e pedagógicas (Idem, art. 10, § 2º, VIII); logo,
enfaticamente, desconfigura nos espaços ordinários escolares as possibilidades
efetivas de se estabelecerem laços democráticos em suas localidades. A cadeia
deliberativa se verticaliza, enrijece-se e cria dispositivos de controle para a sua
reprodução.
Como se não bastasse, a composição do Conselho Escolar também é
modificada pela redução de quem pode ocupar os cargos diretivos nas escolas,
sendo de direito regimental, reservados aos oficiais: nas funções de diretor
comandante e subcomandante, na divisão disciplinar do corpo discente, na
divisão de ensino e na coordenação pedagógica (GOIÁS, 2015, arts. 14, 17, 19,
21 e 22). Todas essas funções, no topo de uma hierarquia organizacional, são
ocupadas exclusivamente por militares. Não cabe, nesse modelo, qualquer tipo de
consulta à comunidade para designar gestores. Embora docentes, pais e alunos
possam participar do Conselho Escolar, evidentemente, o arranjo participativo/
deliberativo se torna um arremedo democrático.
O projeto piloto de Gestão Compartilhada do Distrito Federal
(DISTRITO FEDERAL, 2019), por sua vez, inova aparentemente em relação à
proposta anterior, apresentando uma configuração organizativa de colaboração,
por divisão de funções, entre a Secretaria de Educação e a de Segurança Pública.
Esta, por meio da Polícia Militar, ficará responsável pela gestão disciplinar cidadã

e àquela caberá a gestão pedagógica e, ainda, a gestão estratégica administrativa
será compartilhada entre as pastas; conquanto, a equipe executiva desta última
será disposta pela Secretaria de Segurança.
Embora os objetivos anunciados sejam de resguardar a centralidade da
escola no sistema e seu caráter público quanto à gestão (DISTRITO FEDERAL,
2012, art 2º), esse imbróglio organizativo cria, de fato, uma estrutura tripartite
em pleno desacordo com a compreensão de uma gestão democrática. O que
se verifica é a impropriedade de se separar o administrativo do pedagógico por
secretarias, como se eles não se atravessassem e se influenciassem mutuamente.
Em outros termos, essa tentativa de modelo híbrido, com suas características
patriótico-cívicas, conjuga a introdução de uma linha de força deliberativa pela
especialização/separação de funções, simulando uma suposta autonomia das
pastas nas atividades designadas. Não duvidamos de que esse artificialismo
favoreça o simulacro de uma gestão democrática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não negligenciamos a ideia de que os efeitos da aliança do produtivismo
e da ordem são nefastos, pois, para se afirmarem, valem-se da produção e da
consequente e necessária manutenção de narrativas de esgotamento da gestão
pública. Nesse sentido, o simulacro da gestão democrática foi a forma encontrada
para dar uma aparência de legalidade às parcerias com as instâncias militares. Isso
se deve ao fato de a gestão democrática ser um preceito constitucional; sendo
assim, ainda que formalmente, ela deve figurar nos princípios anunciados dos
documentos que regulamentam essas parcerias, mesmo que, de fato, não haja
intenção de se vivenciá-la. Afinal, a congruência do discurso da falência da gestão
pública está, exatamente, na proposição de outras formas de gestão, ou seja, no
exato oposto da gestão democrática.
Nesse sentido, a perspectiva de parceria entre o setor militar e as
secretarias de educação é um eufemismo para o exercício do controle por meio
da (re)introdução de dispositivos disciplinares. A gestão da ordem visa a espraiar

se pelos diferentes campos de atuação das escolas, por meio de dinâmicas
hierarquizantes e ortopédicas, desautorizando, assim, qualquer possibilidade de
autonomia pedagógica dos docentes e/ou da comunidade escolar.
Nesse contexto, almeja-se a democratização de um ensino de alta qualidade
semelhante ao modelo das escolas das corporações militares. Essa qualificação
pode ser traduzida pelo rendimento em exames; portanto, uma vinculação
reducionista da aprendizagem a resultados. Não podemos desconsiderar os efeitos

excludentes de uma formação que deslegitima as referências sociais e culturais
de grupos populares ao limitar-se ao rendimento, sobretudo, sabendo que essas
parcerias estão sendo realizadas, em boa parte, em escolas periféricas.
Enfim, poderíamos argumentar que existe um duplo dispositivo
excludente de controle: pela permanência do rendimento meritocrático, numa
aproximação aos pressupostos produtivistas liberais; como pelo silenciamento
imposto pela ordem disciplinar policialesca, no afã de combate à violência. Na
base desses dispositivos, o simulacro da gestão democrática que desvirtua a
constituição do comum ou qualquer iniciativa de valorização e legitimação das
formas de vidas minoritárias.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto Nº 9.465, DE 2 de janeiro de 2019. Aprova a Estrutura
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das Funções de Confiança do Ministério da Educação. Disponível
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3%83O_ESTRUTURA_DECRETO9465_02JANEIRO2019_DOU_IN_
blogVencerLimites.pdf>. Acesso em: jan. 2019.
CAMINI, Lucia. Política e gestão educacional brasileira: uma análise do
Plano de Desenvolvimento da Educação/Plano de Metas Compromisso Todos
pela Educação (2007-2009). São Paulo: Outras Expressões, 2013.
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Disponível em: http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2019/02/
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cpmganapolis.net/wp-content/uploads/2015/05/regimento interno.pdf>.
Acesso em: jan. 2019.

GUIMARÃES, Paula Cristina Pereira. Os novos modelos de gestão militarizadas
das escolas estaduais de Goiás. XXIX Simpósio Nacional de História. Brasília,
Julho de 2017. Disponível em: https://www.snh2017.anpuh.org/resources/
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Paula_2017(1).pdf. Acesso em: jan. 2019.
LUDWIG, Antonio Carlos Wil. Democracia e ensino militar. São Paulo: Cortez
Editora, 1998.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. Biopoder, soberania, estado de exceção,
política da morte. 3ª edição. São Paulo: n-1 edições, 2018.
NEGRI, Antonio; HARDT, Michael. Bem estar comum. Rio de Janeiro: Record,
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OLIVEIRA, Dalila Andrade. Mudanças na organização e na gestão do trabalho na
escola. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; ROSAR, Maria de Fátima Felix. Política
e gestão da educação. 3ª Edição, Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. 3ª Edição. São
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SAFATLE, Vladimir. Só mais um esforço. São Paulo: Três Estrelas, 2017.
TELES, Edson. A produção do inimigo e a insistência do Brasil violento e
de exceção. In: GALLEGO, Esther Solano (org.). O ódio como política. A
reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018.
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ANDRÉ ANTUNES MARTINS é Doutor em Educação pela Universidade Federal
Fluminense/RJ. Atualmente é professor adjunto na mesma universidade do
doutoramento. Desenvolve pesquisa no campo das ações coletivas de produção
do comum e das políticas com foco na gestão democrática educacional. Também
atuou em redes públicas de ensino na educação básica.

Fonte: Sinpro DF

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