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Mulheres indígenas ocupam Brasília e dão recado à Bolsonaro

“Pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios”. A fala é do presidente Jair Bolsonaro, quando ainda era deputado federal, e não foi a única na trajetória do político ultraliberal. Mesmo depois de eleito como maior representante do poder Executivo federal, outras declarações de cunho racista, contrárias à demarcação das terras indígenas e à própria cultura dessas comunidades foram proferidas pelo pesselista sem qualquer pudor e em tom de intimidação. Se essa foi (e vem sendo) uma estratégia de Bolsonaro para conter a luta dos povos indígenas, em especial a das mulheres, o resultado vem sendo exatamente o contrário do que almejava o capitão reformado do Exército. A 1ª Marcha das Mulheres Indígenas é prova disso.

Com adornos de penas e corpos desenhados com pinturas que expressam suas identidades, cerca de 10 mil mulheres indígenas, representando mais de 300 povos, ocuparam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, nesta terça-feira (13), para reivindicar suas terras, o respeito à suas culturas, educação, saúde, o fim da violência contra a mulher.

“Tivemos que parar as plantações, as produções para estar aqui lutando pela sobrevivência”, disse Glicéria Tupinambá, da aldeia Serra do Padeiro, no sul da Bahia. Glicéria, que viajou um dia e meio de ônibus para chegar à capital do Brasil e marchar ao lado de suas parentes, fala categoricamente: “Queremos um Brasil que reconheça nossa vida e os conhecimentos tradicionais dos saberes que nascem com a gente”.

Glicéria Tupinambá, da aldeia Serra do Padeiro

Com apenas 18 anos, Maikelle, que também é Tupinambá, não mediu esforços para estar na 1ª Marcha das Mulheres Indígenas. A pouca idade, entretanto, não se tornou um entrave para que a jovem tenha na ponta da língua a resposta do porque estar na manifestação: “A gente quer ser ouvida e dizer que também temos direito de ter saúde, educação e viver sem preconceito”.

Maikelle Tupinambá, integrante da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas

Com o lema “Território: nosso corpo, nosso espírito”, a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas começou a ser construída ainda em 2016, no Acampamento Terra Livre de 2016, sendo consolidada no ATL 2019. Para os não indígenas, o mote pode parecer difuso, mas o trecho de uma carta do Cacique Seattle, escrita em 1850, ao presidente dos Estados Unidos, ajuda a entender o valor das terras para os povos indígenas. “Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro: cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho”.

Adriana Ramos, coordenadora de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), explica que “a Constituição Federal rompeu um paradigma antigo que via a questão indígena como uma questão temporal de integração dos índios à sociedade. E ao fazer isso, ela reconheceu o direito desses povos de viverem como povos indígenas e deu a eles direito ao território que habitam”.

Segundo a pesquisadora, o presidente Jair Bolsonaro vai na contramão da lei quando propõe “levar para dentro das terras indígenas as atividades que não são tradicionais”. “O presidente fala que entende o que é a questão indígena sem a gente ter conhecimento de quantas vezes ele foi a um território indígena, quantas oportunidades ele teve de fazer o diálogo com os coletivos indígenas e não apenas com alguns indivíduos. É uma visão muito restrita achar que a perspectiva de vida do índio é de que ele deixe de viver do modo deles para viver no nosso modo. Aliás, quando os povos indígenas estão vivendo do nosso modo, eles estão em periferias, são levados a uma situação de pobreza que muitas vezes não enfrentariam em seus territórios originários”, afirma.

Mulheres indígenas se pintam em preparação para a marcha

De acordo com a parlamentar do Equador Encarnacion Duchi, de origem indígena, a luta pelo respeito às terras é internacional. “No Equador dizemos que somos as filhas da resistência, e que nós mulheres vamos levar a luta de nossas avós, pois nossos filhos necessitam e têm direito a viver em um espaço são, a ter seu próprio território, a ter educação, a ter acesso aos meios de comunicação, a estar presentes dinamicamente nos espaços públicos. É por isso que venho do Equador somar-me à luta de vocês. Sem dúvida, os povos e nacionalidades indígenas da América Latina têm as mesmas necessidades, os mesmos problemas, e por isso temos que estar organizadas, dizendo em voz alta: aqui estamos para defender nosso território.”

Caminhada

Às 7h desta terça-feira (23), mulheres indígenas acampadas no gramado da Funarte começaram a organizar sua 1ª Marcha. Cantos, danças e gritos de guerra eram ouvidos em todos os locais do amplo espaço. O movimento, pela importância e urgência, recebeu o apoio de representações internacionais e parlamentares, entre eles a deputada Joênia Wapichana, a primeira indígena a ser eleita para a Câmara dos Deputados. “Nós viemos para ficar. Viemos para mostrar que temos a sabedoria dos nossos ancestrais e estamos usando desse conhecimento. Viemos para dizer não a Bolsonaro, não à mineração, não ao retrocesso”, disse na concentração da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas.

Perto das 9h, cerca de 10 mil mulheres indígenas e apoiadores da causa desceram em marcha rumo ao Congresso Nacional. Antes, em frente ao Museu Nacional da República, elas se somaram a manifestantes do Dia de Paralisação Nacional em Defesa da Educação e da Aposentadoria. De lá, seguiram em unidade até o gramado que fica em frente ao Congresso Nacional, onde foram feitas falas políticas. “Se não pode com as mulheres indígenas, não assanhe o formigueiro”, disse uma das manifestantes, de cima do caminhão de som.

A jornada das mulheres indígenas, iniciada no último dia 9 de agosto, segue até esta quarta-feira (14), quando elas se somarão às mulheres do campo, da floresta e das águas na Marcha das Margaridas.

Por Vanessa Galassi, da CUT Brasília, e Érica Aragão, da CUT Nacional | Foto: Allen Mesa

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