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Chamado para a resistência

Por Marcelo Barros*

O fato de que, em pleno século XXI, em um país como o Brasil, a maioria do povo possa ter votado em um projeto de governo representado por Jair Bolsonaro, merece estudos e reflexões que não se esgotarão em poucos dias, ou em algumas páginas de artigos. Sem dúvida, se o discurso de ódio e intolerância de um homem como o vencedor dessas eleições foi capaz de germinar e frutificar em uma população tão diversificada é porque o vírus já estava incubado no coração das pessoas e dos grupos sociais. Ele só aproveitou a ocasião propícia para fazer aflorar a revolta sem rumo das massas e conciliá-la com os interesses da elite escravagista.

Aparentemente, na luta da civilização contra a barbárie, a maioria do povo brasileiro optou pela barbárie. O povo pobre votou contra si mesmo e o engodo no qual caiu não será descoberto como equívoco a não ser pouco a pouco e de forma parcial. Para quem segue um caminho espiritual, seja cristão, seja de outra tradição religiosa, o resultado dessas eleições mostra o descrédito total da fé, travestido em uma religião, morta e empalhada, usada como bandeira para as piores causas, antissociais e desumanas. Grande parte dos religiosos não só se somou ao projeto do ódio e da intolerância, como contribuiu para a vitória do mal.

Em 1964, padres e fieis foram às ruas para festejar o golpe militar. Em várias capitais, em nome de Deus, encabeçaram a Marcha por Deus, pela pátria e pela família. O resultado disso, todos nós conhecemos. Na Alemanha do Nazismo, em 1933, a maioria dos bispos, padres e pastores manifestaram apoio a Hitler, ao Nazismo e à esperança de uma Alemanha centrada na pureza da raça teutônica. Um pequeno grupo de pastores e fieis, coordenados pelo teólogo e mártir Dietrich Bonhoeffer começou o que se chamou Igreja da Resistência. No Brasil atual, teremos de retomar o espírito da resistência e formar células, núcleos que reúnam as comunidades indígenas e afrodescendentes e todas as pessoas que amam a justiça e a paz. Será preciso reorganizar a esperança e reanimar a militância que trabalhou tão bem nessa campanha. Agora precisa refazer no povo a luta do mundo novo de uma mística laical (não religiosa). Será uma espiritualidade política libertadora que possa com a força do amor vencer a barbárie.

*Marcelo Barros é monge beneditino e assessor de movimentos populares.

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