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Intolerância religiosa: um basta é necessário

*Por Danilo Molina

As recentes cenas de agressão contra terreiros de candomblé em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, são o retrato da barbárie para qual caminha a sociedade brasileira.  Traduzem o avanço de forças autoritárias, conservadoras e intolerantes, que beiram ao fascismo, em uma sociedade, na qual as pessoas são cada vez menos capazes de conviver com princípios democráticos, como a diversidade e com os direitos de grupos historicamente excluídos.

Em vídeo gravado pelos próprios criminosos, com grande repercussão nas redes sociais, a mãe de santo aparece sendo intimidada pelos invasores, que a obrigam a quebrar objetos litúrgicos e imagens de santos do terreiro. O show de horrores é acompanhado por ameaças dos marginais, que entoam “o sangue de Jesus tem poder”, “da próxima vez eu mato”, “safadeza! ”, entre outros.

Infelizmente, essa realidade não é nova.  Desde 2015, aqui no Distrito Federal e Entorno, terreiros de matriz africana vem sendo alvejados. Em 2015, agressores incendiaram um terreiro em Santo Antônio do Descoberto e, não fosse a rápida ação dos vizinhos, teriam dado o mesmo fim a outro em Águas Lindas.

No início de 2016, cinco homens incendiaram o Centro Espírita Auta de Souza, em Sobradinho II. A praça dos orixás, no Lago Sul, é alvo habitual de intolerantes religiosos. Além das chamas dos incêndios criminosos, os casos guardam em comum a falta de responsabilização dos culpados.

Dados do Disque 100, canal oficial de denúncias do Governo Federal para atos contra os direitos humanos, comprovam o avanço da intolerância religiosa no país. Em 2016, foram registradas 776 ocorrências, um aumento de 36,5% em relação ao ano anterior. De 2014 para 2015, a situação foi ainda mais dramática. Os relatos passaram de 149 para 556, um crescimento de 273,1%.

Em 2016, o Distrito Federal foi a segunda unidade da federação com o maior número de registros neste lamentável ranking, quando considerado o total de habitantes. A capital federal ficou atrás apenas do Rio de Janeiro.

Os praticantes de umbanda e candomblé, somados aos que se identificam como adeptos de religiões de matriz africana diversas, são os alvos preferenciais dessa intolerância. Juntos respondem por quase 25% das denúncias.

Espanta, também, a conclusão do relatório “Índice de Hostilidades Sociais por motivações religiosas”, segundo a qual o Brasil passou da posição de um dos 25 países mais populosos com menor taxa de hostilidade social por motivos religiosos, em 2007, para um dos países com alta taxa em 2013.  Esse indicador é elaborado pela Fundação Pew, a partir da identificação sistemática da ocorrência de episódios de intolerância e violência religiosa, considerando a intensidade com que ocorrem.

Esses indicadores retratam apenas parte do desafio da sociedade brasileira no avanço da cidadania e do respeito integral à diversidade e à pluralidade de pensamentos e práticas. A intolerância também tem crescido em outros segmentos, como na política e nas artes.

Recentemente, a mostra Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira foi suspensa, em Porto Alegre, após críticas de movimentos religiosos e de grupos de extrema direita.  A exposição tinha, ao todo, 270 trabalhos de 85 artistas que abordavam a temática LGBT, questões de gênero e de diversidade.

A intolerância parece ser a conduta rançosa daqueles avessos a mudanças. Um traço dos que não conseguiram superar as mazelas do nosso passado de desigualdades, escravista e de exclusão social. Em geral, formam parte de uma elite fundamentalista e organizada que se posiciona sempre de forma radical contra qualquer avanço civilizatório para os grupos minoritários, como foi no caso da política de cotas, do casamento igualitário, uso do nome social, entre outros.

Já que a convivência entre os seres humanos não foi capaz de apresentar uma solução para a intolerância, particularmente religiosa, é preciso que o tema seja colocado dentro da agenda do Estado brasileiro. A liberdade religiosa e de culto é um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal e deve ser tratado pelo Estado brasileiro com igual importância que os demais direitos.

Se a questão continuar a ser tratada como um problema menor, quase sempre sem a punição de agressores e a reparação dos violados, corremos o risco de regredirmos à barbárie, na qual serão aceitos como normais esses crimes de ódio que atentam contra a dignidade humana e a liberdade. O avanço civilizatório não permite mais que nossa sociedade conviva com tais abusos.

*Danilo Molina é jornalista, servidor de carreira e foi assessor especial da Casa Civil da Presidência da República e assessor do Ministério da Educação e do Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Também é dirigente do Centro de Umbanda Cavaleiros de Ogum

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