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“Meu governo ainda será reconhecido”, diz ex-governador Agnelo Queiroz

Petista concedeu entrevista ao Correio em que rebate acusações feitas por Rollemberg de ter deixado rombo nas finanças do GDF

Pairam sobre a mesa da sala do ex-governador Agnelo Queiroz várias pilhas de papéis. São documentos oficiais contábeis, extratos, planilhas, projetos de orçamentos. Munido desse arsenal, com a presença de quatro assessores, especialistas em trâmites legislativos, administração pública e finanças, o petista recebeu a equipe do Correio para esta entrevista disposto a acabar com a guerra de versões que se arrasta há oito meses.

O governo Rollemberg diz ter recebido um deficit de R$ 3,8 bilhões. Agnelo assegura que havia cerca de R$ 900 milhões em caixa, sem contar as receitas de 2014 que ingressariam no início de 2015. Para rebater o que chama de campanha difamatória, o ex-governador fez questão de mostrar a papelada oficial repleta de números. É uma tentativa de limpar a sua imagem e a de seu governo, desconstruídas, segundo ele, pelo sucessor.

Depois de um tempo afastado de Brasília, voltou com a intenção de recontar a história do mandato petista sob a sua própria ótica. Deu demonstrações claras de que não pretende encerrar sua carreira política nem amargar um autoexílio maior do que se impôs logo após a fragorosa derrota nas urnas.

Vestido com colete ortopédico, em virtude de hérnias de disco, lamenta não poder correr nem praticar exercício, um hábito que sempre teve na vida. Apesar disso, está confiante de que o tempo vai redimi-lo das dores físicas e do descrédito da população.

Não critica aliados, não aponta culpados, nem guarda mágoa do eleitor. Conformado com o veredito das urnas, só não aceita o julgamento feito pelo atual governo. E desafia os críticos: “Tenho confiança de que o meu governo ainda será muito reconhecido.”

Afinal, houve rombo nas contas do DF?

O meu governo não deixou rombo nenhum. Vou explicar com números concretos e dados oficiais, para acabar com essa falsa polêmica de que deixei as coisas quebrarem.

Incomoda muito isso?

É claro, porque isso não é verdade. Vamos aos fatos: o Diário Oficial de 30 de janeiro de 2015, no Relatório de Gestão Fiscal (um demonstrativo da disponibilidade financeira do governo), mostra que eu deixei R$ 917 milhões no caixa. Como havia restos a pagar de R$ 828 milhões e outras despesas, deixei um saldo de R$ 70 milhões. São dados oficiais. Não tem rombo.

Quem está mentindo então?

É muito importante esclarecer esse ponto porque isso foi deturpado o tempo inteiro. Todo dia havia um número: era R$ 2 bilhões, R$ 3 bilhões, R$ 3,8 bilhões, R$ 5 bilhões, R$ 7 bilhões… todos os dias…

A discussão começou quando o Correio publicou, no início do ano, que havia saldo de R$ 1 bilhão.
Exatamente. Os números de hoje são apenas a confirmação daquela reportagem. Depois houve aquela tentativa de me desmentir, sem nunca apresentarem um papel, como o que estou colocando hoje são dados oficiais, do Governo do Distrito Federal, isso elimina todas as dúvidas. Ou seja: tinha saldo. E mais do que isso: além desse saldo, entraram nos cofres do governo R$ 283 mihões que foram receitas de 2014 — chamam-se receitas de transição, porque são de 2014, mas entraram nos primeiros dias de 2015. Cito, como exemplo, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Em 30 de dezembro, o governo federal liberou R$ 28 mihões, e esse dinheiro entrou no DF somente em janeiro.

O atual governo estaria fazendo isso por quê? Seria uma campanha, uma orquestração?

Este governo se apavorou e tentou arranjar uma desculpa para esconder sua completa inoperância.

O Rollemberg deixou de pagar salários em dia para os servidores. Se ele tivesse esse dinheiro, o senhor não acha que ele pagaria?

Ele deixou de pagar, parcelou, não foi? Quem determinou a ele que pagasse? O juiz. O juiz mandou pagar porque era ilegal. O que aconteceu? O dinheiro apareceu. Você já viu aparecer dinheiro após decisão judicial? Vejam o que aconteceu com a licença-prêmio dos servidores. Rollemberg foi para cima deles para tirar uma conquista do meu governo. Ele tentou tirar, mas a Justiça determinou que pagasse. Aí o dinheiro apareceu.

O governo Rollemberg está escondendo dinheiro?

O dinheiro apareceu. Decisão judicial não faz aparecer dinheiro. Se não tivesse o dinheiro, mesmo com decisão judicial para pagar, não seria pago.

Trata-se de uma guerra política para destruir sua imagem?

É evidente. Não adianta ter ódio de mim, porque isso prejudica a população do Distrito Federal. Para dar sequência à mentira, foi preciso criar na cidade um clima de pessimismo, de derrotismo, de jogar a economia para baixo, de afastar investidores. A cidade está completamente parada.

Não seria uma estratégia política muito errada?

Quando Rollemberg deixa de pagar servidor, ele ganha uma resistência muito grande. Se ele não pagar os salários no fim do ano, ninguém vai lembrar de que foi do governo passado. É suicídio qualquer governo ter dinheiro e não pagar porque não quer.

Esse comportamento de Rollemberg é o chamado tiro no pé. Pegue, como exemplo, o pagamento de dezembro dos servidores públicos a ser efetuado em janeiro. Isso vem acontecendo há tempos. Eu recebi isso, paguei os salários em 5 de janeiro de 2011, como sempre aconteceu. Paguei os restos a pagar, que eram muito maiores. A dívida chegava a R$ 2,5 bilhões, quase R$ 3 bilhões. Paguei até dívida de 2007, e assumi em 2011.

Em vez de jogar uma visão pessimista para a cidade, nós cuidamos de ampliar a receita, tomar providências, fazer os remanejamentos necessários. Em resumo, governar. Quando você entra no Buriti, é para responder às necessidades da população. Você não entra para tentar rotular alguém por ter deixado um rombo e não consegue provar.

Mas os técnicos do TCDF dizem: há R$ 2,2 bilhões não contabilizados em dívidas. No relatório, eles dizem que isso grave, descumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal. O que o senhor argumenta em sua defesa?

É preciso, em primeiro lugar, situarmos do que se trata. Estamos falando de uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas. Portanto, ainda não é a posição do tribunal. Essa auditoria foi recusada no plenário. O pleno do tribunal recusou e determinou um prazo para o direito de defesa. Esses dados foram obtidos ouvindo o governo atual — o tribunal deixa isso claro na metodologia. Ele ainda vai ter que explicar como chegou a esses números.

O senhor não reconhece esses números?

Em absoluto. Não correspondem. Há erros gravíssimos na auditoria. É isso que vamos demonstrar na nossa defesa. Então, o tribunal poderá examinar, à luz da defesa, e dos próprios esclarecimentos, de como se chegou a esses números — porque não há até o momento. Esses dados não foram do auditor do TCDF. Ele colheu os dados junto ao governo, não auditou esses números.

A fonte está comprometida então?

Exatamente. É a mesma fonte que, desde o início do governo Rollemberg, está dando esses números inverídicos. Outra coisa que é importante observar: no método da auditoria, eles indicam os riscos da avaliação. Reconhecem que a avaliação dos riscos, quanto à detecção de erros, é alta.

São números muito específicos. Vocês são técnicos, conseguem entender. Mas o cidadão brasiliense, não. A cidade fica em meio a um pingue-pongue. Já temos oito meses de governo, e se discute a mesma coisa. Mas é por isso que a imprensa tem esse nobre papel. Se eu chego aqui e dou números ao vento, não mostro um documento, evidente que poderia ter bate-boca. Não estou fazendo isso. Estou apresentando os dados e tenho certeza de que vocês checarão. Não se inventam dados da administração. Você pode esconder por um tempo, mas estamos falando de dados contabilizados.

Acha que Rollemberg quer chegar ao fim do ano como aquele que conseguiu resolver todos os problemas. Alguma hora ele vai ter que aparecer como o salvador então, é isso?

Talvez.

Seria incompetência ou má-fé deste governo?

Há um misto de incompetência e má-fé. Quando há incompetência, você busca acertar e procurar quem conhece. Mas persistir, depois de oito meses, dando números que não consegue provar… Como disse antes, deixei saldo na conta, além de receitas de 2014 que reforçaram o caixa. E ainda deixei um empréstimo de R$ 500 milhões do Banco do Brasil. Fiz esse empréstimo, foi aprovado e conseguido no meu governo. Podia ter saído até uma parte ainda no meu mandato, mas terminou não saindo… Não tem esse negócio de que foi conseguido porque alguém tem relações com o banco.

O governador Rollemberg diz que eles resolveram tudo no início de 2015, mas o senhor já falava desse empréstimo na entrevista de fim de ano ao Correio.

Não tem como enganar porque está aprovado no conselho do banco, podem checar. Isso desmoraliza qualquer cidadão. O processo é muito demorado. Consegui um empréstimo no BNDES, recebi um terço do empréstimo — algo em torno de R$ 111 milhões — e ele ficou com dois terços para receber agora. Assinei um contrato com o BID no fim do ano, de US$ 260 milhões, hoje dá mais de R$ 600 milhões, está disponível para fazer a execução dessas obras que foram deixadas em meu governo. É só pegar o dado que o próprio governo apresentou na Câmara Legislativa: lá estão R$ 2,8 bilhões obtidos por meio de financiamentos. Então eu quero que mostrem: cadê o rombo?

O senhor diz que o governo atual manipula dados contábeis, manipula informações de empréstimos, anuncia coisas que o senhor fez como sendo deles. O senhor ficou um tempo afastado. Por que nem o PT — com exceção de Chico Vigilante —, nem o vice-governador, nem os secretários do seu governo fizeram uma defesa mais firme? O senhor se sentiu sozinho nesse processo todo?

Não, em absoluto. Chico Vigilante é líder da bancada do PT. Todas as vezes que o PT se pronunciou publicamente, todos falaram. Só que foram pouco ouvidos. Além disso, muita gente embarcou nessas informações, até instituições muito sérias. Na polêmica dos servidores, o então secretário de Administração, Wilmar Lacerda, sempre se posicionou.
Mas, com o peso que o PT tem na cidade, a defesa foi fraca. O debate ficou muito personificado na sua figura.

Acho que fomos pouco ouvidos. A questão é que, quando se tem uma informação oficial, ela precisa de respaldo em documentos. Quando você é candidato, está em cima de um palanque, pode jogar dados ao vento. Quando se tem a responsabilidade de uma gestão, deve-se dar um dado oficial. Sabe por quê? Porque corre o risco de um jornalista investigar na fonte e verificar que os documentos contradizem o que está sendo falado.

Mas o governo atual também dá documentos. Teoricamente, também são oficiais.Não deu nenhum.

Como acha que as pessoas enxergam isso na rua? Vão acreditar?

É claro que vão acreditar. As pessoas estão vivendo as consequências da mentira. Os servidores estão assustados, com receio de redução de salários, que foi anunciada. Primeiro, eles têm a notícia de que estão parcelando os salários deles, aí entram na Justiça e recebem o dinheiro. Você acha que o servidor vai tirar qual conclusão? Que o governo tinha o dinheiro. Agora mesmo, já ameaçou tirar outra conquista, que é a licença-prêmio. A Justiça mandou o governo pagar o benefício, e aí o dinheiro aparece. Diz que não tem recursos e aí lança plano de obras de quase R$ 6 bilhões.

Mas ele fez ressalva de que eram de outras rubricas…

Como podem surgir mais de R$ 5 bilhões? Longe de deixar um rombo, eu deixei um investimento para essa cidade. Eu fiz a disputa para ganhar a eleição, perdi, mas fiz projeto para ganhar a eleição. Das mais de 5 mil obras, havia mais tantas outras que estão em curso, com projetos aprovados, licença liberada, recursos captados. Não tem nenhum Estado, a não ser o Rio de Janeiro, por conta das Olimpíadas, que tenha investimento desse tamanho, de R$ 6 bilhões. Esse valor corresponde a quatro anos de um investimento do orçamento normal do DF. Isso, sim, é legado. Grande parte das obras que estavam em curso não precisava ser paralisada. Mais de 30 mil trabalhadores da construção civil foram demitidos, a economia do Distrito Federal ficou paralisada, a arrecadação caiu, muitas empresas pequenas quebraram.

Dados do sistema Siggo mostram que Rollemberg já gastou 70% do previsto no orçamento para pessoal, e ainda vai ter que pagar cinco meses de salário. No investimento, só foram executados 4% do que estava previsto. É uma situação complicada. É sempre assim?

A situação financeira difícil é problema nacional. Os governadores estão lutando, estão tomando iniciativas. Chega agosto, setembro, tem que fazer remanejamento e completar o orçamento, isso é histórico. Não é diferente de 2014, de 2013. É normal. Em relação aos 4% de investimento, é natural que as despesas ocorram mais no fim do ano porque você tem todo um processo de fazer a obra, executar, para depois pagar. E tem outra questão: eles paralisaram o DF no instante em que concentraram todos os alvarás em cima de uma secretaria que não está estruturada para isso. A falta de execução dos investimentos é culpa da ineficiência do governo.

Por que o senhor demorou tanto a falar sobre esse suposto rombo?

Eu não estava aqui para falar. Há três meses, eu falei, tive que fazer uma entrevista para desmentir inverdades. Meu objetivo era esperar pelo menos um ano, deixar o governador que assumiu trabalhar. Se ele cumprir o que eu deixei para ele fazer, já vai fazer muito pela cidade. Essa era a minha intenção. Entretanto, com a quantidade de mentiras, deturpações, manipulação de orçamento, a certa altura tive que dar entrevista para dizer que não tem rombo.

A área de saúde estava funcionando no fim de seu governo?

Sim, plenamente funcionando. Hoje não tem nem remédio.

Rollemberg desmontou a estrutura de saúde?

Houve um desmonte. O que fizemos na área da saúde em um único mandato é muita coisa. Recuperei a parte física da rede, entreguei 30 centros de saúde novos, nove clínicas da família, seis UPAs, o Hospital da Criança, carretas da mulher, carretas da visão. Brasília virou campeã nacional de transplantes, hoje não se consegue fazer nenhum. Este governo não fez um único transplante. Equipamos os centros cirúrgicos, compramos macas elétricas, fizemos a recuperação das emergências. O DF foi a cidade que mais investiu em saúde. Fiz mais cirurgia em quatro anos do que nos últimos 10 anos. Isso é dado concreto. Quando você vê que o governo não consegue sequer dar manutenção em equipamento, é porque a situação é grave.

O senhor afirma que deixou a cidade melhor e fez muito por Brasília. Então o que aconteceu na eleição? Por que o senhor perdeu?

A população não aprovou. Evidentemente essa é uma análise multilateral, da conjuntura que nós vivemos. Mas atribuo aos ataques sistemáticos que tive aqui, à cobertura de certos órgãos de imprensa que atacavam o governo de manhã, de tarde e de noite. Foi uma série de fatores.

A rejeição ao PT acabou estourando no seu governo?

Prefiro dizer que não consegui mostrar tudo que fiz a ficar procurando bode expiatório e culpando os outros. Eu trabalhava demais, até 20 horas por dia. Nunca esqueço de um desafio que eu fazia na campanha, eu dizia: “Escolha qualquer tema e traga documentos para mostrar que algum governo fez mais do que eu em qualquer área”. Parece certa arrogância, mas é a pura verdade. Quem fez mais creche, mais UPA, mais asfalto novo, mais ciclovia? Quem enfrentou obstáculos para derrubar o Caje? Se eu falar tudo, vou ficar aqui o tempo inteiro. Quem fez a maior obra de mobilidade urbana deste país, que foi o BRT? E já deixei o dinheiro para o Expresso Oeste, que é esse de Ceilândia; o Norte, que é até Planaltina; a duplicação do Torto/Colorado; e o centro de triagem norte.

O senhor fez também o estádio mais caro do país, não é?

Fiz o melhor estádio do país.

Que é subutilizado hoje…

Não, em absoluto. Por que não analisa o outro governo, que rompe os contratos internacionais, perde a credibilidade da cidade? Fiz um estádio como projeto de desenvolvimento econômico desta cidade. É um equipamento, entre outros, para utilizar plenamente este aeroporto, que é hoje o segundo em movimento no país, a ampliação da rede hoteleira. O estádio foi o que mais captou, foram R$ 5 milhões, no meu governo, de dinheiro que entrou em decorrência da grande quantidade de eventos. Nem o Maracanã, nem nenhum outro captou. Colocamos a cidade no plano internacional, fomos a melhor sede, segundo a avaliação de organismos internacionais.

Tem saído na rua, está sentindo o clima da cidade?

Sim, nitidamente. Sou recebido carinhosamente em qualquer lugar que vou, apesar dessa campanha contra mim.

O senhor está sendo questionado na Justiça em razão do Centro Administrativo do GDF, construído em Taguatinga. O senhor afastou o administrador regional, nomeou um novo e inaugurou o centro, no apagar das luzes do governo. Por que a pressa?

Eu estava governando, construí uma grande obra e inaugurei a obra. Dei o habite-se proporcional ao estágio da obra. Se eu não concedesse o habite-se com todos os requisitos legais para isso, aí, sim, eu poderia responder. Eu cumpri a lei. A lei dá 48 horas para emitir o habite-se. Há exigências fáceis de serem verificadas. Qualquer leigo é capaz de chegar e ver se houve o cumprimento.

E foi preciso trocar o administrador para conceder o habite-se?

Não. Eu estava administrando o governo até o último dia, fiz a festa do dia 1º, lutei bravamente naquele final, mesmo com as dificuldades de fechamento de governo. Todo governo tem dificuldades, o governo federal também e este também terá. Eu era governador e tinha de mandato até o dia 1º. Exerci até o último momento. Muitos dos meus auxiliares tinham de sair antes, caso do administrador de Taguatinga, que é do Senado. Se ele não se apresentasse antes, teria prejuízo. Alguns secretários também foram saindo quando souberam que não iam ficar. Isso é normal.

O senhor responde a outras ações de improbibidade…

Tenho convicção da legalidade de todos os atos do meu governo. Tenho confiança no discernimento dos juízes e desembargadores, que têm sido muito corretos em suas análises. Em quatro anos, o meu governo não teve uma condenação, nada. Vou conseguir esclarecer absolutamente tudo isso no foro adequado e sem contaminação política.

Quais são seus planos quando acabar a licença médica?

Recebi alguns convites, vou examinar e decidir quando acabar a licença. Está em aberto, depende do meu estado de saúde.

E o seu futuro político?

Eletivamente, não sou candidato a nada. Vou lutar, como cidadão, para retomar a concepção do governo que eu fiz e que eu espero que o próximo governo do DF venha a fazer.

O senhor pretende fazer oposição?

Meu partido tem feito isso. E concordo plenamente com a posição partidária. Tenho me reservado muito de dar opinião. Torço, inclusive, para que o atual governo acerte e faça as coisas, mas que retomemos o caminho dos princípios que eu deixei: o menor desemprego da nossa história — nós já estamos agora com um desemprego acentuado em sete meses de governo…

Mas isso é nacional…

Nacional, não. É local. Estou falando de emprego do DF. No meu governo, tive o menor desemprego da história e, pela primeira vez, no meu governo deixamos de ser a cidade mais desigual do Brasil.

A tese da falta de dinheiro parou Brasília?

Parou. O servidor público é a força motora da cidade. Quando você vai para cima dos servidores dessa forma, ameaça demitir até concursado e retirar direitos, cria-se um pavor que faz o servidor botar o pé no freio. Pensa duas vezes antes de trocar de carro, fazer uma reforma ou uma viagem. Criou-se um clima de terror na cidade.

Se o Tribunal de Justiça não tivesse derrubado a ação contrária aos reajustes concedidos pelo senhor, o governo atual estaria inviável?

Sem dúvida. Tem que repor as perdas, reestruturar as carreiras, ter profissionais ganhando bem, ser competitivo. Passei três anos fazendo concurso e não ficava ninguém na saúde. Entravam uns 30, quando começava, só dois ou três permaneciam, porque o salário era baixo. A área privada pagava melhor. Fiz um concurso em 7 de setembro de 2014 e havia 6 mil médicos do Brasil inteiro fazendo as provas. Por que isso aconteceu? Porque temos hoje um salário competitivo. Eu contratei e hoje já precisa de mais gente.

A rejeição ao seu governo era muito alta. Numa análise fria, onde o senhor ou o seu governo erraram?

Cada vez mais, eu tenho ido aos lugares e vejo as coisas. Vejo a tristeza das mulheres da Fábrica Social, um trabalho de inclusão, lindo, agora parado; os milhares de idosos que não podem fazer a cirurgia da catarata porque não tem como pagar; a carreta da mulher, que foi o melhor e mais elogiado programa de prevenção do câncer… Hoje, não se pode fazer os exames de sífilis, de Aids, porque não têm o reagente, isso mata gente. A irresponsabilidade na área de saúde mata. Transformamos a área de transplante desta cidade; neste governo, não se fez mais transplante. Vou lutar para recuperar um governo que olhe para os pobres, combata as desigualdades, faça creches, tenha uma política de desenvolvimento econômico, que coloque Brasília como a capital de uma grande nação e não uma capital do interior.

Em outras palavras, o senhor vai trabalhar contra a reeleição do atual governador?

Não. Vou trabalhar por um projeto que recupere tudo isso. Sou candidato, como cidadão, a retomar um projeto que olhe para a grande maioria, que gere emprego e renda.

Mas com alguém que lidere isso…

Sim, porque este governo já mostrou que não tem compromisso com nada disso. Virou inimigo número 1 do servidor público e, sem servidor público, você não faz as políticas públicas.

O senhor foi aliado de Rollemberg em várias eleições. Arrepende-se de tê-lo apoiado em outras eleições?

Isso faz parte da política. Não há como garantir que uma pessoa que nunca administrou nada vai conseguir administrar um dia, é muito difícil prever. Ele está no início do governo, espero que acerte, que toque todas as obras que deixei em curso, que tenha a grandeza de falar onde achou o dinheiro, é preciso respeitar a inteligência da população. Existe um processo anterior às obras, que leva anos para aprovar, que inclui projeto executivo, licitação, licença ambiental, passar por todos os órgãos, captar recursos, é algo que demora anos. Não pode chegar para a população e dizer que caiu do céu um negócio desses, então todo o plano de obras dele são obras nossas, do nosso governo.

Se o PT não tiver uma nova chance, volta a antiga política de Brasília?

Há esse risco, de trazer de volta os setores mais conservadores.

Seria um retrocesso?

Sim, mas temos que confiar na população. A população vai querer mais.

Em que tribunal você foi julgado? Como se sentiu?

Em vez de o governo atual trabalhar e realizar, foi feito um esforço para tentar desconstruir o meu governo, destruir tudo o que eu fiz.

De algum jeito, seu temperamento, mais afável e tranquilo, prejudicou?

Acho que sim. Não ia mudar minha personalidade só porque era governador. Sou um democrata, sempre dialoguei. Nunca fiz bravata, nem desmoralizei ninguém só para dar satisfação. Tinha uma base ampla, discuti muito com a sociedade tudo o que fiz. A Câmara Legislativa foi uma parceira espetacular, que mostrou que, quando se tem propostas de interesse da cidade, ela ajuda.

Houve traição?

Isso ocorre na política. O ambiente era difícil e muita gente foi cuidar do seu, da sua candidatura, do partido. Isso ocorre. Muita gente hoje fala comigo que lamenta a interrupção do nosso projeto. O principal era não interromper o projeto que estava em curso.

Cristovam sempre diz que foi desprestigiado no seu governo. Houve um erro ou ele está supervalorizando o episódio de não ter indicado um nome para a Secretaria de Educação?

É claro que quem está na política comete erros. É evidente que naquela escolha houve um erro da minha parte, mas depois fiz um esforço grande para aproximação. E ninguém investiu tanto na educação como investi. A quantidade de creches que fizemos, quantas escolas em tempo integral, recuperamos a rede pública, valorizamos pessoal, os professores. Essa é a base para uma educação de qualidade. Senão fica só discutindo, fazendo promessas e dizendo que defende a educação. Mas na hora de valorizar a carreira dos servidores da educação, para onde vão os recursos?

Vamos falar de habitação. O governador Rollemberg anunciou que amanhã começam as derrubadas no Lago Sul. O senhor acredita nisso?

Não sei. Não posso falar por ele. Até agora só faz o contrário do que fala, desde a campanha.

Um decreto seu que ampliava o limite de ocupação…

Ampliava não. O decreto adequava o limite ao novo Código Florestal, à lei. O limite dependeria da cota do Lago Paranoá. O novo código mudou a regra lá de trás. O atual governador revogou esse decreto e voltou ao que está incompatível com o novo Código Florestal. Voltou à regra do tempo do Roriz. Ambientalmente não havia prejuízo nenhum.

Por que o senhor escolheu ficar fora todos esses meses?

Achei que tinha de dar um tempo para o novo governo.

O senhor rejeita a tese da herança maldita?

Quero que me mostrem isso. Por enquanto, até agora não conseguiram mostrar. São palavras ao vento. Não se sustenta.

Como lidou com tantas críticas?

Ganhar e perder a eleição é uma coisa normal. Faz parte da democracia. Fiz análises e o PT também sobre o que ocorreu. Nunca há um fator apenas que leve a esse resultado. Perder é absolutamente normal para quem disputa a eleição, a não ser para pessoas obsessivas pelo poder e que querem fazer do poder o seu modo de vida. Mas comigo não é assim. Tenho orgulho do governo que fiz, defendo em qualquer lugar em qualquer tema. Tenho orgulho das pessoas que me ajudaram a governar, dos partidos que ajudaram. Não fiz um governo sozinho. Tinha uma aliança ampla, bastante participativa. Então, não posso considerar uma aberração ter perdido. Tenho confiança de que o meu governo ainda será muito reconhecido.

O que o machucou então?

O que dói mais a mim e à minha família, e o que abomino é a mentira, a desonestidade, a falsidade. Isso foi o que mais me machucou nesse período todo. Foi o que mais me machucou, sobretudo de quem você menos espera. Porque quando você espera, o cara já tem uma trajetória assim, de direita… Nós, no Distrito Federal, já estávamos superando essa coisa de destruir o passado para poder se estruturar. Eu peguei numa situação mil vezes pior, uma crise moral, com quatro governadores num ano, um governador preso. Quase perdemos a nossa autonomia política.

O senhor acha que foi vítima de uma grande armação?

Não teve isso. A responsabilidade maior era minha porque eu era o condutor desse processo. Não fico arranjando bode expiatório. Tenho convicção de que a gente fez o que podia fazer com dedicação. A cidade estava em outro patamar, atraindo investimentos de fora, fazendo um planejamento a longo prazo. Então quando a gente vê certas opiniões de supostos técnicos criticarem um planejamento que a gente faz para os próximos 50 anos, dói muito. A intenção era romper esse ciclo imediatista, de só ver o amanhã, de só ficar olhando para a próxima eleição.

O senhor está se referindo ao contrato com a Jurong, de R$ 13 milhões?

Acho que era de R$ 6 milhões (Nota da Redação: assinado em 2012, o contrato era de US$ 4,25 milhões, o equivalente a R$ 8,6 milhões), mas isso é absolutamente irrisório para o que está aí. Um trabalho espetacular, de longo prazo, feito por especialistas e não foi feito só por eles. Teve a ajuda da nossa inteligência aqui, dos nossos técnicos de Brasília.

Teve gente que reclamou por não ter sido ouvida… Arquitetos e outros especialistas não deveriam ter sido consultados?
Mas foram. Nós chamamos especialistas para serem ouvidos. Pode ser que um ou outro não tenha sido ouvido. Mas também esse não era um estudo arquitetônico nem urbanístico. Era um estudo de desenvolvimento econômico.

Mas foi o próprio atual governador que deflagrou as críticas à consultoria com a Jurong. Rollemberg era seu aliado e iniciou processo de rompimento por esse motivo.

Ele criticou. Mas não rompeu por causa disso. Ele dizia que não poderia ter gente de fora para fazer o planejamento, mas o governo dele está cheio de gente de fora. É o que mais tem. Gente que não conhece nada de Brasília, gente que atuava numa economia que não tem nada a ver com a nossa, que quer transportar um modelo dos tucanos para cá automaticamente. É uma tragédia o que estamos vivendo.

A vitória é coletiva e a derrota é solitária. O senhor se sentiu sozinho?

Não. De jeito nenhum. Os amigos reais estão sempre presentes.

Depois que o senhor perdeu, quem ficou?

Muita gente. Muitos companheiros.

O senhor era um político com boa imagem no DF. Enfrentar um momento como esse de desgaste é muito difícil?

O que mais dói são as ações que prejudicam os mais pobres. Esse é o meu maior sofrimento. Acabar com o cartão escolar, reduzir o Bolsa-Família, reduzir o investimento social que foi elogiado pela ministra de Desenvolvimento Social como a melhor política social do Brasil. E ela falou publicamente. Conseguimos fazer um cadastro único e colocar todo mundo que não tinha renda nesse cadastro. Fizemos uma política acolhedora para os dependentes químicos. São coisas que nunca haviam sido feitas e nós enfrentamos. Isso dói muito. A paralisação da Fábrica Social então foi a maior punhalada que recebi. Até porque o custo econômico é baixíssimo.

Cuidando da saúde e da família

Estudei muito no período que fiquei longe de Brasília. Melhorei muito meu inglês e meu espanhol. Estudei e tive experiências que, como gestor, a gente precisa viver. Depois de ser gestor, é muito diferente estar lá fora. Você olha com outros olhos o transporte, a parte urbanística, a limpeza, a política de desenvolvimento. É muito enriquecedor. Então valeu muito a pena. Estudei e tive uma convivência com a família. Todo mundo sabe do meu trabalho e da minha dedicação. Sacrifiquei tudo, saúde e família. Hoje acordo cedo, mas estou imobilizado por causa da coluna, senão estaria correndo todo dia de manhã cedo. Infelizmente não posso. Meu organismo está acostumado com atividade física e sente falta. A mesma coisa é em relação à medicina. Estou tranquilo se tiver que voltar para o centro cirúrgico. Tranquilíssimo. Fiz isso a minha vida inteira. Nunca deixei de operar. Quando eu era governador, muitas vezes vocês nem sabiam, eu não divulgava para não tirar onda, mas operei várias vezes, em vários mutirões de cirurgias. Então, estou pronto. Sou um apaixonado pela medicina, sou apaixonado pela profissão. No centro cirúrgico, eu me sinto bem.

Entrevista concedida ao jornal Correio Braziliense

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