Sarah anuncia fim do programa de oncologia e pacientes entram em desespero

Pacientes que fazem tratamento para câncer no hospital da Rede Sarah em Brasília relatam que o programa específico para oncologia da instituição está sendo encerrado e reclamam da falta de informações oficiais sobre o assunto. Temendo deixar de fazer tratamento na unidade, eles se reuniram e criaram uma petição on-line nesta semana, para a manutenção dos atendimentos especializados.

Matheus Lucas dos Santos Piquiá, 24 anos, é morador de Planaltina de Goiás e faz tratamento no hospital Sarah há cinco anos. Ele foi diagnosticado com câncer ósseo em 2014 e começou o tratamento no Hospital da Criança de Brasília (HCB), porque era menor de idade. Em 2016, passou a ser atendido no Sarah.

A mãe dele, Maria Gorete dos Santos Ferreira, 47, conta que o paciente recebeu um relatório médico no início deste mês de julho com a informação da “desabilitação do programa de Oncologia da Rede Sarah”, o que deixou a família preocupada.

“Já tinha dois anos que o câncer não manifestava mais, só que a doença reincidiu em março. Ele ficou dois anos sem metástase e em março deu, aí ele fez uma cirurgia no pulmão. A médica falou que, como o câncer voltou, ele teria que iniciar o acompanhamento do zero. Então, ele fez exames, tudo, e quando foi agora no dia 21 de junho, o médico avaliou e disse que ele não iria precisar de químio por enquanto, mas que não teria acompanhamento no Sarah”, narra a mãe.

“O que nos foi passado foi que não teria mais a área oncológica e que os pacientes adultos teriam de procurar o Hospital de Base e as crianças teriam que procurar o Hospital da Criança”, diz. “Neste mês, eles mandaram um relatório falando que como não vai haver mais a área oncológica o Matheus teria que se habilitar em outra rede”, completa.
Segundo Gorete, ela tentou contato com o hospital nesta semana, mas ainda não teve retorno. “Ontem (8/7), eu liguei no Sarah, mas não tive nenhuma informação. Entrei no site, na área do paciente, e o registro dele estava aparecendo como ‘inválido’. Entrei pelo ‘fale conosco’ e disse que queria um retorno da oncologia, uma explicação e que ele voltasse a ser atendido”, conta.

“Aí, me enviaram um e-mail falando que não vão desativar e que com três dias úteis entrariam em contato. Agora, estou aguardando, porque como é que mandam relatório, inclusive o médico disse a ele isso (que o programa de oncologia seria desabilitado) na última consulta, e agora falam que é mentira, que não procede? Como pode?”, reclama.

“É uma coisa que não é fácil para ninguém, nem para querem passa nem para quem acompanha. Eu, como mãe, recebo uma notícia dessa e já penso em como é a situação nas outras redes de saúde. Você luta tanto, corre atrás, já são sete anos. E agora vem uma notícia dessas?”, lamenta Gorete.

Falta de informações
Ada Cristina Guimarães, de 33 anos, é paciente da Rede Sarah Brasília e faz parte da ONG Instituto Oncoguia. Ela é enfermeira, mas está afastada do trabalho por conta do tratamento da doença.

Há sete anos, desde que foi diagnosticada com um tumor no fêmur, a moradora de Anápolis (GO) faz tratamento na unidade e recebeu a notícia do encerramento do programa nesta semana.

“Nós temos um tratamento de ponta, de primeiro mundo. Como eu sou funcionária do sistema público eu sei o que os pacientes passam [em outros hospitais]. Eles morrem numa fila esperando quimioterapia, esperando por um tratamento digno, um atendimento adequado, humanizado, e nós temos tudo isso no Sarah”, comenta.


“O Sarah atende câncer ósseo, cerebral, mieloma múltiplo e câncer muscular, então são cânceres raros. Nós somos poucos, mas nós somos humanos e precisamos de respeito”, diz. “Essa não é uma causa individual, é uma causa coletiva”, acrescenta.

De acordo com ela, faltam informações oficiais para os pacientes a respeito do encerramento do programa de oncologia. Eles, então, criaram uma petição on-line e passaram a divulgar o caso nas redes sociais.
“Não tem nota oficial, mas nós pacientes estamos sendo encaminhados para a fila da morte, porque não tem outro local que faça esse tipo de atendimento. Nós não temos outra referência de tratamento oncológico para câncer raro em Brasília e no Brasil. Eu falo como profissional da saúde e como alguém que faz tratamento”, enfatiza.

Desabilitação

Metrópoles teve acesso a um relatório da Secretaria Federal de Controle Interno (SFC), área vinculada à Controladoria-Geral da União (CGU), enviado ao Ministério da Saúde, após uma fiscalização no Hospital Sarah Brasília com o objetivo de avaliar a estrutura da unidade “frente às exigências da Portaria SAS/MS nº 140/2014 no que diz respeito às unidades habilitadas como UNACON (Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia)”.

O documento destaca que “a Portaria SAS/MS nº 140/2014 e os demais normativos relativos à Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer não preveem a existência de unidade habilitada em oncologia pelo SUS que oferta procedimentos somente para um conjunto de especialidades, como é o caso do Hospital Sarah de Brasília”.

“Com base nos exames realizados, conclui-se que o Hospital Sarah de Brasília atende à maior parte dos condicionantes para atuar como unidade habilitada em oncologia nos moldes da Política Nacional de Prevenção e Combate ao Câncer no SUS (PNPCC). Entretanto, destaca-se que não há previsão na PNPCC de unidade que oferta tratamentos a somente a certos tipos de tipos de cânceres, tal como o Hospital Sarah de Brasília, que oferta tratamentos contra o câncer de osso, de partes moles e do sistema nervoso, além de tratamentos contra o mieloma múltiplo.”


Procurado para comentar o caso, o Ministério da Saúde informou, em nota, que “a desabilitação da Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) do Hospital Sarah de Brasília foi solicitada pelo próprio estabelecimento com aprovação da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES/DF)”.

A pasta federal, contudo, ressaltou que “o hospital continua atuando nos tratamentos de cirurgias de tumores cerebrais e ósseos, no qual é habilitado desde 2008”.

“Em 2019, a Rede Sarah encaminhou ao ministério o Oficio nº 17/19 – PR/APS, solicitando desabilitação como Unacon, sob a alegação de que não atendia às obrigações definidas para os estabelecimentos de saúde habilitados como Unacon, como a disponibilização de especialidades mínimas obrigatórias, conforme a portaria vigente.

Esse tipo de solicitação, contudo, deve ser pactuada com o gestor de saúde local. Em abril de 2019, a SES/DF solicitou a desabilitação do Hospital Sarah de Brasília como Unacon. Considerando a manifestação do gestor local e a manifestação do estabelecimento, foi publicada a Portaria SAS nº 935 de 06 de agosto de 2019, desabilitando o Sarah Brasília como Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia”, explicou.

O que diz o Sarah

A reportagem procurou a Rede Sarah para um posicionamento sobre o assunto. Em nota, a instituição disse que “em função da Portaria SAS/MS nº 140/2014, que regulamenta as unidades UNACOM, a Rede Sarah foi desabilitada, visto que só atende a tumores ósseos e do sistema nervoso central e para obter a habilitação teria que atender a uma gama mais ampla de casos, o que não é possível considerando a infraestrutura da Rede”.
Entretanto, o hospital pontuou que “no Contrato de Gestão estabelecido com a União, é prevista a assistência a casos neurológicos e ortopédicos, o que nos permite acolher pacientes com câncer do aparelho locomotor ou do sistema nervoso central, independente de habilitação UNACOM”. “Em síntese , as observações do Ministério da Saúde e da CGU não afetam em nada a atenção à população oncológica atendida”, declarou.

Uma vez que a portaria que determinou a desabilitação do Sarah Brasília como UNACON é de agosto de 2019, conforme informou o Ministério da Saúde, o Metrópoles questionou a Rede Sarah sobre o por quê de o assunto vir à tona somente agora, com as informações do encerramento do programa oncológico passadas aos pacientes nesta semana. Sobre isso, o Sarah não deu retorno até a publicação desta reportagem. O espaço permanece aberto para eventual manifestação posterior.


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