Peritos da ONU ouvem denúncias sobre racismo estrutural no Brasil em reunião com sociedade civil e parlamentares

O encontro desta terça-feira (30) foi agendado pelas Nações Unidas após 123 instituições da sociedade civil, a presidência da CDHM e mais 18 deputados terem denunciado à ONU, no dia 16 de junho, violações de direitos humanos contra a população negra e o racismo estrutural no país. O ofício do dia 16/6 também questionou a nomeação, discursos e a atuação de Sérgio Camargo à frente da Fundação Cultural Palmares. Hoje, essas e outras questões foram apresentadas, através de videoconferência, ao Grupo de Trabalho de Peritos sobre Pessoas de Origem Africana do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Dominique Day (EUA), vice-presidente do Grupo, Ahmed Reid, presidente (Jamaica); Michal Balcerzak (Polônia); Sabelo Gumedze (África do Sul) e Ricardo A. Sunga III (Filipinas), ouviram as demandas dos parlamentares e das entidades presentes. O Grupo de Trabalho foi criado após a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Relacionada, realizada em Durban em 2001. Entre as atribuições, os peritos estudam problemas de discriminação racial enfrentados pelos afrodescendentes vivendo na diáspora e propõem medidas e recomendações.

“Vivemos hoje a situação dramática do crescimento da lógica racista e fascista no Brasil, uma lógica discriminatória de quase 400 anos e que hoje está presente na presidência da República e na Fundação Palmares, presidida pelo racista Sérgio Camargo. A pseudo-abolição da escravatura aconteceu em 1888 e hoje ainda temos pedaços dessa escravidão. A diferença nos salários chega a 30% menos para os negros; e 75% dos jovens assassinados são negros”, afirmou Érika Kokay (PT/DF), que também é presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos e da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana. Kokay lembrou as expressões usadas por Camargo, como a que sente “vergonha e asco da negrada militante”, que o movimento negro é uma “escória maldita”, além de afirmar que não há “racismo real” no Brasil e que a escravidão foi “benéfica”. Para a deputada, a “Fundação Cultural Palmares hoje está ocupada por uma pessoa que quer destruir tudo que foi construído até hoje desde a redemocratização do Brasil”.

Sílvia Souza, da Coalizão Negra por Direitos, que representa 117 organizações, considera “racistas e criminosas as falas e a atuação do presidente da Palmares, uma afronta não só à legislação brasileira, mas também às normas internacionais de combate ao racismo. O discurso dele é de ódio e propaga ainda mais o racismo estruturante da sociedade brasileira. As políticas adotadas por ele espelham a política racista e fascista do presidente da República, Jair Bolsonaro. A intervenção do Grupo de Trabalho da ONU é necessária”.

Racismo, democracia e “genocídio invisível”

Para Iêda Leal de Souza, do Movimento Negro Unificado e membro do Conselho Nacional de Direitos Humanos, a Fundação Palmares sempre foi um “berço para cuidar da memória dos negros e hoje é dirigida por alguém que é contrário a tudo que foi pensado. É o descaso, a zombaria, o desrespeito com a nossa história, desqualificando toda uma história de luta construída pelo povo negro. Somos a favor de ações afirmativas como as cotas e reparações definitivas pelos anos de sofrimento, mas o governo quer perpetuar o racismo na nossa sociedade. E com racismo não há democracia. Queremos a colaboração de vocês para retornar à nossa democracia”.

“As ações do atual presidente da Fundação Palmares sustentam o processo atual de genocídio da população negra brasileira, com a perseguição de ativistas e o desmonte das políticas de promoção da igualdade racial”, denuncia Sheila Carvalho, também da Coalizão Negra por Direitos. Ela ressaltou que, nesse período de pandemia, aumentou em 26% o número de assassinatos de negros por violência policial. Ela também alerta sobre a situação no sistema carcerário provocada pelo Covid-19. “Podemos viver um genocídio invisível pela falta de cuidados já que a maioria dos presos é de negros, pardos e jovens”.

Helder Salomão (PT/ES), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), explicou que “o Brasil tem a vergonhosa marca de ser o país que mais recebeu escravizados na era moderna, foram quase 5 milhões em 338 anos de escravidão, e isso resultou em diversos tipos de violência e em uma profunda desigualdade social”. O deputado disse ainda que “hoje vemos um aumento da violência contra a população negra, com a manifestação de posturas racistas por autoridades e até o crescimento de manifestações neonazistas no Brasil”. Além disso, informou que “a cada 3 mortes por Covid-19, duas são pessoas negras, já que muitos moram em casas pequenas com vários moradores e são obrigados a usar transporte público em pleno pico da pandemia por causa da flexibilização imposta pelo governo, que faz aumentar os casos principalmente entre pobres e negros”.

“Sete arrobas”

Bira do Pindaré (PSB/MA), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas, criticou o atual método de titulação das terras quilombolas pela Fundação Palmares. “A titulação dos remanescentes de quilombos é um dever previsto na Constituição e começou em 2004. Temos 6 mil comunidades remanescentes de quilombos, mas faltam mais de 3 mil a serem reconhecidas, está tudo parado. Tudo sugere que o atual presidente tem como objetivo reduzir as certificações”. Pindaré informou ao Grupo de Trabalho da ONU a manifestação do presidente da República sobre quilombolas. Jair Bolsonaro disse que “quilombola pesa sete arrobas”, a mesma medida que se usava para pesar pessoas escravizadas, além de que “não servem para nada, nem para procriar”. Para o parlamentar, “estamos diante daquilo que é mais representativo do racismo estrutural em nosso país e no mundo inteiro”.

Encaminhamentos

O grupo da sociedade civil e dos parlamentares reiterou o convite de que o Grupo de Trabalho realize missão oficial ao Brasil. O grupo irá também enviar informações adicionais sobre o racismo estrutural.

Pedro Calvi / CDHM

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